4.9. Episódio de ensino 16 – Encontro 6#

“O que é uma pessoa estranha?”

((Estudante faz relato sobre situação de racismo em que ela viveu no shopping. Em seu relato ela traz o termo “pessoa estranha”))

  1. Professora: E aí o interessante é o termo estranho/esse termo estranho nessa situação/muito bom você ter colocado essa situação/é muito produtivo pra gente entender o seguinte/o conceito que a gente começou a trabalhar na aula passada/a ideia de alterização/estranho/estranho por quê? /porque tratar essa ideia de estranho/o cabelo Black Power/por que isso é estranho? /quando é que uma coisa é estranha?

  2. Estudante A: Eu acho por exemplo/que já vem assim/muitos (+) é/a questão/como a senhora citou mesmo/o retrato falado/sempre as pessoas vão trazer aquela característica de uma pessoa que era negra/que não estava bem vestido/e tal/as vezes/é/sempre vai ser essas características/mas […]

  3. Professora: De onde essas características vem e por que que isso é considerado estranho/por exemplo/por que ela disse que os rapazes eram estranhos? ((rapazes do relato inicial da estudante))

  4. Estudante B: É porque foge do padrão/porque a sociedade cria um padrão e todo mundo tem que ser dessa forma mas não é assim/eu passo por isso direto/porque eu sou uma menina negra com cabelo black/mas as pessoas querem que eu tenha um cabelo liso/mas a vida não é assim/é complicado viu.

  5. Estudante C: E o julgamento do cabelo/por exemplo/que é muito alto/já ouvi várias vezes/tipo/a por que não passa um creme/tá muito alto/tipo/o cabelo da pessoa é assim/mas/a questão do padrão da sociedade de que tem que ter o cabelo liso/e muitas dessas meninas passam pela fase da transição e até de aceitação/de aceitar o cabelo porque antes usava o cabelo liso/e aí as pessoas chegam e falam/ah mas tá muito alto/tá estranho/imagine o quanto você interfere psicologicamente na vida de um ser/que as vezes tá tipo/as vezes nem se acha bonita praquele padrão por conta dessa questão imposta na sociedade/e também vai além/até se relacionar/uma mulher branca com um homem negro/é meio difícil porque/tem pessoas que tem aquela questão do homem negro/peraí/como é que vou explicar/a questão sexual do homem negro/do órgão genital do homem negro/né/tem toda essa questão/tipo/ você é branca se relacionar/tem até essa questão de dizer que é por conta disso/e tipo/nada a ver/tipo/você se relaciona pela pessoa e não por isso/até por exemplo também de/você/é/por exemplo/eu sou uma mulher branca de cabelo liso né/que se relaciona com uma pessoa negra/e você falar daquela pessoa/eu já ouvi isso/é por exemplo/falar do meu namorado e quando a pessoa vê a foto dele dizer assim/nossa eu olhava pra você e imaginava você com um homem branco do cabelo liso/alto/totalmente diferente/tipo/você fica assim ((pensando)) /mas por que? /porque teria que ser tipo/mas você já pensa né como/eu tô falando isso gente ((olhando pra turma)) porque eu já ouvi bastante viu/você sabe que seu filho não vai ser branco né? /tipo/e daí? /tipo/até pra você se relacionar/não que/tipo/você vai ouvir/vai passar por situações constrangedoras/que eu acho meio constrangedor/sendo que as vezes a gente não espera por essa questão de tá vivendo hoje/e que a gente acha que não existe mais/muitas pessoas acham que não existe mais essa questão do preconceito/existe sim/e eu já vivi situações de que/era uma seleção/de que até por bairro/por exemplo essas questões de digital influencer/era um evento e nesse evento por morar em tal bairro não era convidado/e outra coisa/tipo/até os funcionários desse próprio local não poderiam participar porque eram negros/então/assim/é uma questão muito velada/existe sim/é velado/até eu achava que tinha mudado/tinha melhorado/ e eu tive um choque de realidade de por exemplo/ter pessoas na minha família negras/de ter esse discurso de que/ah eu passei e tal/e a gente achar que não existe/mas quando/a gente só sabe mesmo que existe ao vivenciar/e saber que existe sim essa seleção/e que realmente é muito difícil em todos os aspectos.

  6. Professora: Bem/acho que agora demos a deixa pra educação anti-opressão/certo? ((estudante C concorda com risos)) /diante do que falamos aqui/o que que se propõe uma educação anti-opressão? /((inaudível)) /qual é a base dessa ideia de educação anti-opressão? /bem/eu achei que essa ideia do estranho/é importante né/então ele era estranho/mas você olha pra você e vê ele estanho?

  7. Estudante A: Tipo assim professora/e não foi a primeira vez que já escutei esse termo estranho não/de se referir as pessoas que são negras e falar/ah/tinha dois caras estranhos ali/de pessoas da minha própria família/vizinho/de passar/é/dois rapazes negros e falar/ah/tinha dois caras estranhos ali/e é sempre assim sabe? /sempre se refere assim.

  8. Professora: Estudante A/pra você essas pessoas são estranhas?

  9. Estudante A: Pra mim não. ((Alguns estudantes se levantam para irem embora. Professora fala que precisa fazer a chamada))

  10. Professora: É/então/o que estava nesse estranho/então você chegou com o termo estranho/que era ser negro/Estudante B falou/bem/eu também acho que é ser negra/ter o cabelo/eu passo por isso como menina negra que escolhi ter meu cabelo assim/e vocês chegaram então/em que há um padrão do que é normal/então pra ter um estranho tem que ter um normal (+) e isso em absoluto? /naturalmente? /o normal e o estranho/de onde vem o normal e o estranho?

  11. Estudante D: Do homem branco.

  12. Professora: Então/nessa referência que ele tá dizendo/do homem branco/ou seja/na verdade/então/normal e estranho é construído/não é isso?

  13. Estudante B: É construído e imposto pela mídia.

  14. Professora: Pela mídia?

  15. Estudante B: Porque/tanto como […]/somos negras/até dentro do nosso grupo existe segregação/porque/por exemplo/o cabelo/o cabelo só é normal se tiver definido/se tiver cacheado/porque se não tiver cacheado/não tiver bonito é estranho/aí a pessoa já não é perfeita/não é normal/aí a mídia fica impondo isso/compre creme para definir seu cabelo/seja cacheada também/isso se você não comprar/você é estranho. 16.Professora: Tá/mas é a mídia que constrói? Estudante B: Ela impõe/aí as pessoas saem por aí espalhando/aí já sabe né/acho que são as pessoas que constroem isso tudo.

  16. Professora: E essas pessoas constroem da onde?

  17. Estudante B: Ah professora/não sei.

  18. Estudante D: Eu acho que […]

  19. Professora: Venha cá/e isso tudo que a gente falou aí de marginalização ((inaudível))

  20. Estudante D: Com a ciência? /eu acredito/assim/que vem muito do processo de espaço de poder/né/de quem estão nesses espaços de poder/e aí tipo/é/historicamente a gente vê que é o homem europeu branco né/que cria padrão de beleza/que cria vários outros padrões/enfim/é/no ocidente a gente foi podado por diversas formas/em diversos campos/no campo da arte/no campo da música/no campo da beleza/e a gente botou duas viseiras assim na nossa cara e não consegue observar e ir além/sabe/é/desses padrões que foram impostos/é/um grande exemplo/tem uma entrevista de Tom Zé ao Jô Soares/e aí ele fala/ele dá um exemplo de “que tô ficando atoladinha” (+) é um processo de crítica ao catolicismo que criou o binarismo musical/que é o que o ocidente/é/praticamente todas as músicas do ocidente já parte desse binarismo musical/que é/mais ou menos/eu não sei explicar binarismo musical agora/mas enfim/mas porque no oriente foge desse binarismo (+) a música explora em diversos outros tons/isso é só um exemplo de uma das coisas que esse processo de dominação sobre o ocidente/é/podou a gente de diversas formas/aí é mais ou menos isso/aí eu acho que a mídia que a estudante B fala é só um dos instrumentos que essas pessoas que estão nesses espaços de poder utilizam para/é/pra explorar a gente/que é o que acontece/exploração.

  21. Professora: Tá/então em termos assim mais culturais o que temos? /há uma construção do que é normal e do que é estranho/essas construções são feitas nas relações de poder/então/existe um grupo que tem poder e quer manter esse poder/e cria o que é normal/e o que é estranho/concordam? ((estudantes concordam com a cabeça)) /ok/no nosso caso estamos aí colocando que na nossa sociedade/muitas vezes/ser negro (+) é visto como ser estranho.

  22. Estudante B: Sabe o que é pior? /é ser negro e ser gay.

  23. Professora: Então/ser negro é estranho/ser gay também é estranho/ser negro e gay […]

  24. Estudante B: É o caos.

  25. Professora: É o caos do estranho. ((Estudantes aleatórios concordam e complementam: “Ser gordo também!” “Negro, gay e gordo”. Todos concordam))

  26. Professora: Então estamos vendo o que/ que nós temos marcadores de identidade/não é isso/marcadores de identidade que são considerados (+) normais ou são considerados anormais/anormais/inferiores/indesejáveis/degenerados/é/não/como é que eu diria/que não deve ser (+)/acreditados/a quem não se deve dar confiança/né/a quem não se deve/é […]

  27. Estudante D: Quem não tem capacidade/que não deve ser ouvido ((professora reproduz)).

  28. Professora: Não deve tá em lugar de poder/que não deve tá em lugar decisório/que não deve ocupar certos lugares sociais e por aí vai. ((Aluna traz exemplo do filme “Corra!”))